Refugiado no Brasil teve unhas arrancadas em
sessões de tortura na Síria
Por
Bruna Carvalho – iG São Paulo |19/07/20213 05:00 – Atualizada às 19/07/2012
14:20
Escuridão marca lembrança dos 20 dias de
prisão de Samir Ahmad, que hoje tenta reconstruir vida com família em SP.
Choques elétricos, chutes e socos foram rotina de Samir Ahmad* durante o tempo
que ficou preso por participar das primeiras manifestações contra o regime do
presidente da Síria, Bashar Al- Assad, em Homs, cidade a oeste do país. Há nove
meses no Brasil, o refugiado sírio usa frases sucintas para reconstruir os 20
dias em que diz ter ficado enclausurado, sem que sua família soubesse seu
paradeiro, em março de 2011: “Era tudo muito escuro”, “Arrancaram minhas unhas”
e “Queriam que eu dissesse que tinha sido pago para participar dos protestos”.
Samir
Ahmad relata ter sido torturado pelo regime por participar de manifestações em
Homs, na Síria.
O relato de Samir Ahmad se assemelha a
200 outros registrados pela organização Human Rights Watch (HRW) em relatório
sobre o chamado “arquipélago de tortura” na Síria, divulgado no ano passado.
Segundo a HRW, desde março de 2011, autoridades sírias submeteram “dezenas de
milhares a prisões arbitrárias, detenções ilegais, desaparecimentos forçados,
maus tratos e tortura usando uma extensa rede de centros de detenção”.
A organização afirmou que foram
identificados mais de 20 métodos de tortura diferentes empregados por
interrogadores, guardas e oficiais do país, incluindo abusos sexuais, simulação
de execução, extração de unhas e uso de choques elétricos.
Aos
28 anos, Ahmad teve sua vida alterada em piscar de olhos. Em março de 2011, ele
participava
com amigos de um protesto contra o governo pela terceira vez, quando forças de
segurança do governo reprimiram o ato com violência. Ahmad apanhou, teve seus
olhos vendados e foi levado pelos agentes para um prédio oficial. E foi com os
olhos cobertos que permaneceu a maior parte do tempo durante as mais de duas
semanas que se seguiram.
Preso em local que desconhecia, Ahmad recebia um
pedaço de pão e de queijo todos os dias, o mínimo para mantê-lo de pé e
aguentar as sessões diárias de interrogatórios sob tortura, que, segundo
relembrou, duravam em média duas horas. "Os oficiais (do regime)
tinham muitos motivos para me torturar. Primeiro, para eu não voltar a me
manifestar. Também para intimidar meus amigos", disse.
Enquanto isso, seu pai tentava desesperadamente encontrá-lo.
Foi um funcionário do governo que, por meio de propina, descobriu o paradeiro
de Ahmad e avisou sua família. Depois do pagamento de US$ 10 mil "por
fora", Ahmad estava livre novamente, mas sua vida fora da cela não
representou um alívio. Por causa do nome "sujo", ele não poderia
correr o risco de ser parado pelos postos de controle do regime espalhados por
toda a cidade, então, teve de se submeter a uma nova prisão, dessa vez dentro
de sua própria casa, até que conseguisse regularizar sua situação.
Aos poucos, seus familiares decidiram deixar a
Síria em direção ao Brasil. Primeiro o irmão, depois o pai e, por último, ele
com a sua mãe. Em São Paulo, Ahmad foi obrigado a trocar os óculos - que
comercializava havia 13 anos - pelas calças jeans. Sem falar português,
trabalha com seu tio, representando uma confecção de roupas em lojas,
principalmente fazendo entregas. Filho de pais separados, vive com a mãe no
bairro da Casa Verde, mas passa algumas noites durante semana na companhia do
pai, que mora no Brás.
O pai de Ahmad divide um apartamento com Kamal
Abogavar* e Jonas Massri*, todos refugiados sírios. A sala do apartamento é
cercada por dois sofás, uma televisão e um computador conectado a uma página no
Facebook, que relata os últimos acontecimentos na cidade de Homs. É
principalmente por meio da internet que eles procuram por notícias de amigos e
parentes e acompanham a deterioração da cidade natal pelos bombardeios do
Exército. "O sentimento bate forte. Porque a minha loja foi destruída, a minha
casa foi destruída. Você tem tudo e, de repente, fecha e abre os olhos e não
tem mais nada", resumiu Ahmad.
Desde que desembarcou em São Paulo, nunca mais teve
notícias de sua namorada, sua vizinha de porta, com quem tinha um
relacionamento havia três anos e meio. Questionado sobre o que havia acontecido
com ela, demonstrou total desconhecimento: "Ela sumiu."
Divididos
pela guerra
Ahmad não foi o único dos amigos sírios em São
Paulo a ter de lidar com a angústia de não saber se um parente ou amigo estava
vivo ou morto. Massri, 24 anos, contou que seu pai foi libertado em 10 de julho
depois de passar 25 dias na prisão. "Fiquei sem nenhuma notícia dele. Até
que um dia, meu irmão ligou para o meu primo e ele veio me dizer: 'Seu pai
saiu! Seu pai saiu! Ele está vivo'."
Depoimento
de Massri ao iG:
Massri é o único dos seus amigos que cogita um
futuro no Brasil. Trabalhando ao lado do primo Abogavar na loja de roupas do
tio no Brás, ele luta para restabelecer em São Paulo a condição financeira que
possuía em Homs antes da guerra. Lá, segundo relatou, tinha um carro e um
escritório onde trabalhava como representante de produtos odontológicos.
Internamente,
vive em recorrente conflito. Ao mesmo tempo que tenta não se fixar ao passado e
às memórias da guerra que deixou ao menos 93 mil mortos, segundo contagem da
ONU, sente-se em dívida com o povo que sofre diariamente para tentar sobreviver.
Ao ver as notícias da Síria, o sentimento que o domina é a impotência:
"Sinto raiva, porque estou com as mãos amarradas e não posso fazer nada.
Só ficar olhando."
Mas Ahmad, apesar de seus 20 dias de escuridão em
sua cela de tortura, não tem dúvida do que fazer na eventual queda do regime.
Questionado se imaginava seu futuro no Brasil, respondeu: "Não", para
depois voltar a não hesitar quando perguntado se desejava voltar à Síria:
"Quero."
Colaborou
Wanderley Preite Sobrinho
*Nomes alterados a pedido dos entrevistados por
questão de segurança Link: http://ultimosegundo.ig.com.br/revoltamundoarabe/2013-07-19/refugiado-no-brasil-teve-unhas-arrancadas-em-sessoes-de-tortura-na-siria.html
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