“A prática da tortura, principalmente pelas
instituições encarregadas da repressão penal, constitui-se em algo
absolutamente inadmissível num Estado Democrático de Direito, além de
configurar uma verdadeira contradição interna do sistema, pois órgãos encarregados
do cumprimento das leis não poderiam agir de forma ilícita.
A tolerância com essa espécie de conduta não
pode prosperar; revela-se uma grave omissão a falta de instrumentos adequados à
sua prevenção e repressão.” (EDUADO LUIS SANTOS CABETTE)
É complicado determinar exatamente o que é um
tratamento cruel, desumano e degradante, mas certamente qualquer um pode
identificar um quando vir. Há, no entanto, uma definição amplamente aceita,
promulgada pelas Nações Unidas na Convenção
contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes
(United Nations Convention against
Torture, CAT, 1984), que em seu Artigo 1º, define tortura como:
"Qualquer ato pelo qual dores ou
sofrimentos agudos, físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma
pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões;
de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido, ou seja
suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas;
ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando
tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra
pessoa no exercício de funções públicas, por sua instigação, ou com seu
consentimento ou aquiescência".
A
Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, traz uma definição mais ampla na qual o sofrimento não precisa
necessariamente ser “agudo” para constituir tortura; e, segundo o Direito
Internacional Humanitário, não precisa ser infligido pelo poder público.
Uma importante
característica da Convenção das Nações Unidas, é que esta traz uma diferença
significante entre “tortura” e “outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos
ou degradantes”: enquanto a tortura deve ser absolutamente impedida (Art. 2º),
aos Estados é exigido apenas o compromisso de proibir “outros atos que constituam tratamento ou penas cruéis, desumanos ou
degradantes que não constituam tortura tal como definida no Artigo 1” (Art.
16).
Alguns Estados têm
usado esse argumento para discutir que, enquanto a tortura é proibida,
tratamento cruel, desumano e degradante pode ser justificado em cistunstâncias
excepcionais. Se tais tratamentos, mas não a tortura, podem ser permitidos em
certas cistunstâncias, uma distinção entre os dois torna-se necessária. Mas
isso é matéria de ampla discussão, pois até na jurisprudência internacional,
não há unanimidade nas decisões. Outros Instrumentos
Legais, no entanto, não fazem essa diferenciação entre os dois conceitos, por
exemplo, o Pacto Internacional Sobre Direitos Civis E Políticos proíbe
absolutamente as duas coisas.
Em termos gerais, é
possível diferenciar tortura de outros atos de tratamento cruel, desumano e
degradante embasando-se na Declaração das Nações Unidas, de 1975, que define
tortura como uma “forma grave de tratamento cruel, desumano e degradante”.
Logo, tortura implicaria numa inflição mais severa de sofrimento ou dor - ainda
um conceito muito subjetivo e de valor discutível.
No entanto, uma
interpretação relevante, ampla e de boa fé dos instrumentos de direitos humanos
tornaria essa diferenciação irrelevante, já que a intenção era proibir ambos,
tortura e tratamento cruel, desumano e degradante, e não criar brechas para que
os Estados praticassem tais atos.
No Brasil, a
Constituição Federal é expressa em repudiar a prática da tortura e penas
degradantes, desumanas ou cruéis (artigo 5º. III, XLIII e XLVII), bem como em
proteger a integridade física e moral do preso (art. 5º., XLIX). Entretanto, não
houve preocupação em definir o termo. O máximo existente era a menção, em
alguns dispositivos legais da palavra "tortura", prevista, por
exemplo, como uma qualificadora no crime de homicídio (art. 121, § 2º., III,
CP) ou como agravante genérica (art. 61, II, "d", CP). Assim, a
missão ficou para o legislador ordinário.
A lacuna permaneceu, e as
discussões a seu respeito também, até a promulgação da Lei 9455, de 07/04/97, a
qual "define o crime de tortura e dá outras providências", conforme
estabelece sua ementa. A lei traz, assim, a seguinte definição de tortura em
seu Artigo 1º:
“ Constitui crime de tortura:
I- constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça,
causando-lhe sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de
terceira pessoa;
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;
II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de
violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de
aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.
§ 1º. - Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a
medida de segurança, a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática
de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal".
Talita Montenegro
Talita Montenegro
Leitura recomendada: Sobre o Crime de Tortura no Ordenamento Jurídico Brasileiro.
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