domingo, 1 de setembro de 2013

Sobre a definição legal de tortura

“A prática da tortura, principalmente pelas instituições encarregadas da repressão penal, constitui-se em algo absolutamente inadmissível num Estado Democrático de Direito, além de configurar uma verdadeira contradição interna do sistema, pois órgãos encarregados do cumprimento das leis não poderiam agir de forma ilícita.
A tolerância com essa espécie de conduta não pode prosperar; revela-se uma grave omissão a falta de instrumentos adequados à sua prevenção e repressão.” (EDUADO LUIS SANTOS CABETTE)

É complicado determinar exatamente o que é um tratamento cruel, desumano e degradante, mas certamente qualquer um pode identificar um quando vir. Há, no entanto, uma definição amplamente aceita, promulgada pelas Nações Unidas na Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (United Nations Convention against Torture, CAT, 1984), que em seu Artigo 1º, define tortura como:
 "Qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido, ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, por sua instigação, ou com seu consentimento ou aquiescência". 
                A Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, traz uma definição mais ampla na qual o sofrimento não precisa necessariamente ser “agudo” para constituir tortura; e, segundo o Direito Internacional Humanitário, não precisa ser infligido pelo poder público.
                Uma importante característica da Convenção das Nações Unidas, é que esta traz uma diferença significante entre “tortura” e “outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes”: enquanto a tortura deve ser absolutamente impedida (Art. 2º), aos Estados é exigido apenas o compromisso de proibir “outros atos que constituam tratamento ou penas cruéis, desumanos ou degradantes que não constituam tortura tal como definida no Artigo 1” (Art. 16).
                Alguns Estados têm usado esse argumento para discutir que, enquanto a tortura é proibida, tratamento cruel, desumano e degradante pode ser justificado em cistunstâncias excepcionais. Se tais tratamentos, mas não a tortura, podem ser permitidos em certas cistunstâncias, uma distinção entre os dois torna-se necessária. Mas isso é matéria de ampla discussão, pois até na jurisprudência internacional, não há unanimidade nas decisões. Outros Instrumentos Legais, no entanto, não fazem essa diferenciação entre os dois conceitos, por exemplo, o Pacto Internacional Sobre Direitos Civis E Políticos proíbe absolutamente as duas coisas.
                Em termos gerais, é possível diferenciar tortura de outros atos de tratamento cruel, desumano e degradante embasando-se na Declaração das Nações Unidas, de 1975, que define tortura como uma “forma grave de tratamento cruel, desumano e degradante”. Logo, tortura implicaria numa inflição mais severa de sofrimento ou dor - ainda um conceito muito subjetivo e de valor discutível.
No entanto, uma interpretação relevante, ampla e de boa fé dos instrumentos de direitos humanos tornaria essa diferenciação irrelevante, já que a intenção era proibir ambos, tortura e tratamento cruel, desumano e degradante, e não criar brechas para que os Estados praticassem tais atos.

                No Brasil, a Constituição Federal é expressa em repudiar a prática da tortura e penas degradantes, desumanas ou cruéis (artigo 5º. III, XLIII e XLVII), bem como em proteger a integridade física e moral do preso (art. 5º., XLIX). Entretanto, não houve preocupação em definir o termo. O máximo existente era a menção, em alguns dispositivos legais da palavra "tortura", prevista, por exemplo, como uma qualificadora no crime de homicídio (art. 121, § 2º., III, CP) ou como agravante genérica (art. 61, II, "d", CP). Assim, a missão ficou para o legislador ordinário.
                A lacuna permaneceu, e as discussões a seu respeito também, até a promulgação da Lei 9455, de 07/04/97, a qual "define o crime de tortura e dá outras providências", conforme estabelece sua ementa. A lei traz, assim, a seguinte definição de tortura em seu Artigo 1º:
“ Constitui crime de tortura:
I- constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: 
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; 
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; 
c) em razão de discriminação racial ou religiosa; 
II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. 
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos. 
§ 1º. - Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança, a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal". 

Talita Montenegro




Nenhum comentário:

Postar um comentário